Atualizado às 15h14min.
Maryan Bartels
Em tempos de avanços tecnológicos consideráveis, projetos capazes de revolucionar a mecânica e a ciência a partir da observação de elementos da natureza, muitos de nós ainda não conseguiram entender um aspecto tão simples da vida: “todos ocupam a mesma posição aqui na terra. Somos reles mortais”.
Sou jornalista há dez anos e atuo na área tanto no Brasil, quanto no exterior. Sou mulher negra. Sou mãe de menina negra. Tanto minha filha, que nasceu aqui na Alemanha, como eu temos ambas nacionalidades, brasileira e alemã.
Já faz algum tempo que não dou o ar da graça, por diversos fatores. Nossa vida mudou bastante depois que voltamos a morar na Alemanha (eu e minha filha de quatro anos), em julho do ano passado.
Meu tema aqui sempre foi meio ambiente e como ele influencia no comportamento humano e vice-versa. Mas um acontecimento me impulsionou a voltar – voando – para cá e apresentar a vocês um fato real que lamentavelmente faz parte de muitos cidadãos e não-cidadãos alemães. Fui vítima direta de racismo na Alemanha. Essa atrocidade já aconteceu várias vezes de maneira indireta, mas dessa vez resolvi contar a história a vocês, com o objetivo de conscientizar e apelar a todos que não caiam nessa limitação intelectual.
Eu estava com uma amiga no ônibus (relativamente na frente) e, poucos minutos antes de sairmos, uma mulher veio da parte de trás do ônibus e começou a me agredir verbalmente. Eu a perguntei se ela se referia a mim, para não cometer nenhum ato de injustiça. Ela me disse que era lógico que estava falando comigo. Fui xingada e ofendida com palavras nojentas e preconceituosas. A pessoa capaz de cometer esse ato ignorante vocês veem nas fotos abaixo.
Fiz questão de demonstrar respeito por ela e a avisei antes que ia fotografá-la e chamar a polícia para denunciá-la. Ela disse que não estava nem aí. Ela provavelmente não contava com a proporção que seu ato impensado tomaria. Eu a acompanhei em todo o percurso feito por ela, até a polícia chegar.
Ela entrou e saiu de lojas e, toda vez que um funcionário perguntava se precisávamos de ajudar, eu agradecia e avisava em alto e bom tom que só estava ali acompanhando a senhora que me tratou com racismo até que a polícia chegasse, para que ela não tivesse a oportunidade de fugir.
Eu estive em contato com a polícia o tempo todo pelo telefone nesse meio tempo e ela ainda pegou um ônibus, pensando que eu não fosse atrás. Eu fui e ela ainda teve que passar a vergonha de ser retirada do ônibus pelos policiais, que vieram de sirene ligada e pararam o veículo público a força. Eu agradeci a prontidão e ajuda deles. Logo pediram documentação e a mulher nem documentos tinha. Ela disse que tinha sido roubada. Será?
Quanto ao desrespeito e ao racismo, depois de ouvirem os dois lados, reagiram de forma esperada, dizendo que não era para tanto, já que a senhora disse que não agiu de forma racista. Havia testemunhas oculares suficientes no local do crime e minha amiga, que também foi ofendida e tratada de maneira hostil pelos policiais, quando sai de perto para acompanhar a senhora que me ofendera.
Por não falar o alemão fluente, minha amiga passou de vítima a suspeita. Os policiais começaram a perguntá-la há quanto tempo ela estava aqui no país e por que ainda não fala o idioma fluentemente. Perguntaram ainda onde ela morava e não deram credibilidade nenhuma a ela, dizendo o mesmo que foi dito a mim: “Isso é uma bobeira. Nós temos coisas mais importantes a fazer”, exclamou o policial.
No entanto, eu disse que respeitava a opinião deles, mas não compartilhava. Por lei eu tenho o direito de denunciar essa mulher, eu gostaria de usar dos meus direitos, para que ela não seja desculpada agora e mais à frente repita seu ato animalesco com outros. Não contente, depois que os policiais se retiraram, ela ainda tentou continuar o assunto. Somente perguntei a ela se ela gostaria que a conversa fosse gravada e apresentada à polícia na próxima oportunidade. Ela se retirou.
O racismo é crime. É um tema que deve ser abordado com frequência, porque virou corriqueiro para quem não sofre. Todos os dias milhões de negros são humilhados, ofendidos, desrespeitados e se rendem ao silêncio, por já concluírem que a situação vai cair no esquecimento.
Um cidadão brasileiro, alemão ou de onde quer que seja está sendo oprimido agora, enquanto você lê esse artigo, sem ter ninguém em sua defesa no local da agressão. Eu falo não só em meu nome, mas também em nome dessas pessoas, para que esse texto tenha função de utilidade pública, conscientize, estimule a sociedade a raciocinar e compartilhe o link acima.
Nossos predadores são a nossa própria espécie. Não é porque há pessoas que consideram a desigualdade racial como “ofensa normal”, vide policiais que me atenderam no dia em que fui desrespeitada, é que precisamos nos tornar presas fáceis. É preciso botar a cara e abrir o verbo.
Obrigada por compartilhar conosco sua história, concordo com tudo que você disse a respeito do desrespeito da espécie Sapiens. E estendo, se me permite, a todo tipo de preconceito que existe, sexual, social, de gênero.
Não podemos nos emudecer diante de tamanha crueldade e ignorância. O que depender de mim, compartilharei sua história.
Acredite sempre na sua força.
Boa sorte querida.
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